sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Hildebrando Pascoal, de cangaceiro a Robin Hood


Que Hildebrando Pascoal é um criminoso, isso ninguém tem dúvida. Sua ficha é extensa, tem crimes que envolvem homicídio, sequestro, formação de quadrilha, narcotráfico e delitos eleitorais e financeiros. Ganhou a alcunha de “o Homem da Motosserra”, pela arma utilizada para cometer seu mais famoso crime, contra o mecânico Agílson Firmino dos Santos, o Baiano.

Seu bando que, segundo o Ministério Público tem mais de 150 crimes, fazia do assassinato um ritual macabro. Para avisar que não queria o esclarecimento de um assassinato, Hildebrando decepava a cabeça e as mãos das vítimas. E mais, dificultava o reconhecimento dos cadáveres e ainda exigia com rigor, que tais crimes fossem arquivados. Um terror. Na década de 90 era comum a desova de um delator a menos e um morto a mais na contabilidade do grupo de extermínio no Acre.

Passados exatos 16 anos de sua prisão, o debate em torno do direito de liberdade ao ex-coronel – um dos únicos do bando ainda preso – deve entrar para a história, não apenas pelo espetacular capítulo jurídico em discussão, mas pela forma como ele vem transformando um criminoso cruel e sanguinário em heroi.

Exemplo disso é a interpretação da sociedade que pelas redes sociais salta, grita e pede a soltura de Hildebrando Pascoal. A cada passo jurídico, impressiona a aura de heroísmo colocada sobre a sua cabeça.

Seguindo um caminho contrário do principal líder do cangaço, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião – que 70 anos após a sua morte sai da condição de justiceiro romântico para criminoso cruel - Hildebrando Pascoal parece a cada dia migrar da condição de assassino, narcotraficante para um Robin Hood, às vezes, colocado como insurgente contra a onda de violência que assola a capital, numa demonstração clara da sensação de insegurança vivida pela população. “Venha ser meu vizinho, não aguento mais ser assaltada” disse uma internauta cujo nome eu preservo.

Através do programa “O X da Questão”- apresentado pelo ex-deputado federal José Alex, que assumiu a vaga de Hildebrando Pascoal na Câmara dos Deputados, em 1999 eu fui um dos primeiros repórteres a entrar na Papudinha e entrevistar Hildebrando Pascoal e alguns líderes do seu bando.

Também visitei, na produção do programa que teve duas séries de reportagens, uma por uma, as casas, e entrevistei esposas, filhos e parentes dos envolvidos no escândalo conhecido como “Esquadrão da Morte”. Confesso que fiquei surpreso com muita coisa que vi e ouvi, mas não a ponto de desassociá-los da maioria das denúncias imputadas.

Se no cangaço, a ação de bandos como o de Lampião instituiu sequestro, a matança e a corrupção, na década de 90, no Acre, Hildebrando Pascoal liderou uma história equivalente e bem ao seu modo, no olho por olho, dente por dente.

“A maioria dos moradores das favelas de hoje não é composta por marginais. No sertão, os cangaceiros também eram minoria. Mas, nos dois casos, a população honesta e trabalhadora se vê submetida ao regime de terror imposto pelos bandidos, que ditam as regras e vivem à custa do medo coletivo” avalia a antropóloga Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e autora do livro A Derradeira Gesta: Lampião e Nazarenos Guerreando no Sertão.

O que levaria então a sociedade acreana a manifestar esse sentimento de heroísmo à figura de Hildebrando Pascoal?

O escritor Jack de Witte talvez nos ajude a entender esse apelo social quando diz que “a miséria, a injustiça social, a polícia e os políticos corruptos, as mesmas causas produzem os mesmos efeitos”, ou seja, estamos diante de um cenário de insatisfação onde a sociedade tem se expressado de forma diversificada.

Mensalão, Lava Jato, G7, BNDES, se muita gente prefere ficar calada esperando que tais assuntos caiam no esquecimento, outros se manifestam de alguma forma. Com tantas histórias e estórias a cerca desse fato, o apelo social em torno da liberdade de Hildebrando Pascoal é uma forma de protesto.

Por outro lado, de forma improba, as estratégias arquitetadas para emperrar sua liberdade ou para impedir aquilo que está garantido em lei,  a cada dia dá força ao seu personagem, a ponto de seu ibope crescer pelas redes sociais onde não existe controle midiático ou a "mão do governo".

Certamente ainda levará alguns anos para que historiadores, antropólogos e cientistas sociais cheguem à conclusão do que estamos vivendo no Acre através desse episódio. Não vamos fugir da história, resta saber o que é mito e o que é realidade.


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