Que Hildebrando Pascoal é um criminoso, isso ninguém tem
dúvida. Sua ficha é extensa, tem crimes que envolvem homicídio, sequestro,
formação de quadrilha, narcotráfico e delitos eleitorais e financeiros. Ganhou
a alcunha de “o Homem da Motosserra”, pela arma utilizada para cometer seu mais
famoso crime, contra o mecânico Agílson Firmino dos Santos, o Baiano.
Seu bando que, segundo o Ministério Público tem mais de 150
crimes, fazia do assassinato um ritual macabro. Para avisar que não queria o
esclarecimento de um assassinato, Hildebrando decepava a cabeça e as mãos das
vítimas. E mais, dificultava o reconhecimento dos cadáveres e ainda exigia com
rigor, que tais crimes fossem arquivados. Um terror. Na década de 90 era comum
a desova de um delator a menos e um morto a mais na contabilidade do grupo de
extermínio no Acre.
Passados exatos 16 anos de sua prisão, o debate em torno do
direito de liberdade ao ex-coronel – um dos únicos do bando ainda preso – deve entrar
para a história, não apenas pelo espetacular capítulo jurídico em discussão,
mas pela forma como ele vem transformando um criminoso cruel e sanguinário em heroi.
Exemplo disso é a interpretação da sociedade que pelas redes
sociais salta, grita e pede a soltura de Hildebrando Pascoal. A cada passo
jurídico, impressiona a aura de heroísmo colocada sobre a sua cabeça.
Seguindo um caminho contrário do principal líder do cangaço,
Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião – que 70 anos após a sua morte sai da
condição de justiceiro romântico para criminoso cruel - Hildebrando Pascoal
parece a cada dia migrar da condição de assassino, narcotraficante para um
Robin Hood, às vezes, colocado como insurgente contra a onda de violência que
assola a capital, numa demonstração clara da sensação de insegurança vivida
pela população. “Venha ser meu vizinho, não aguento mais ser assaltada” disse
uma internauta cujo nome eu preservo.
Através do programa “O X da Questão”- apresentado pelo
ex-deputado federal José Alex, que assumiu a vaga de Hildebrando Pascoal na
Câmara dos Deputados, em 1999 eu fui um dos primeiros repórteres a entrar na
Papudinha e entrevistar Hildebrando Pascoal e alguns líderes do seu bando.
Também visitei, na produção do programa que teve duas séries
de reportagens, uma por uma, as casas, e entrevistei esposas, filhos e parentes
dos envolvidos no escândalo conhecido como “Esquadrão da Morte”. Confesso que
fiquei surpreso com muita coisa que vi e ouvi, mas não a ponto de
desassociá-los da maioria das denúncias imputadas.
Se no cangaço, a ação de bandos como o de Lampião instituiu
sequestro, a matança e a corrupção, na década de 90, no Acre, Hildebrando
Pascoal liderou uma história equivalente e bem ao seu modo, no olho por olho,
dente por dente.
“A maioria dos moradores das favelas de hoje não é composta
por marginais. No sertão, os cangaceiros também eram minoria. Mas, nos dois
casos, a população honesta e trabalhadora se vê submetida ao regime de terror
imposto pelos bandidos, que ditam as regras e vivem à custa do medo coletivo”
avalia a antropóloga Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros, professora da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro e autora do livro A Derradeira Gesta:
Lampião e Nazarenos Guerreando no Sertão.
O que levaria então a sociedade acreana a manifestar esse
sentimento de heroísmo à figura de Hildebrando Pascoal?
O escritor Jack de Witte talvez nos ajude a entender esse
apelo social quando diz que “a miséria, a injustiça social, a polícia e os
políticos corruptos, as mesmas causas produzem os mesmos efeitos”, ou seja,
estamos diante de um cenário de insatisfação onde a sociedade tem se expressado
de forma diversificada.
Mensalão, Lava Jato, G7, BNDES, se muita gente prefere ficar
calada esperando que tais assuntos caiam no esquecimento, outros se manifestam
de alguma forma. Com tantas histórias e estórias a cerca desse fato, o apelo
social em torno da liberdade de Hildebrando Pascoal é uma forma de protesto.
Por outro lado, de forma improba, as estratégias
arquitetadas para emperrar sua liberdade ou para impedir aquilo que está
garantido em lei, a cada dia dá força ao
seu personagem, a ponto de seu ibope crescer pelas redes sociais onde não
existe controle midiático ou a "mão do governo".
Certamente ainda levará alguns anos para que historiadores,
antropólogos e cientistas sociais cheguem à conclusão do que estamos vivendo no
Acre através desse episódio. Não vamos fugir da história, resta saber o que é
mito e o que é realidade.
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